segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Aqui d' El-Rei!


"…
A Nacionalidade constitui-se por sucessivos pactos, a um pensamento constante de aliança entre o Príncipe e o Povo, aliança que, não sendo solenemente proclamada, não foi por isso mais curta ou menos fecunda.
As expressões dêsse pacto político dá-las-hiam os forais dos concelhos, outorgados pelos Reis ou pelas Ordens Militares, e muitas vezes não eram essas cartas mais do que títulos de liberdades e privilégios de que os povos já gozavam de facto e que a intervenção do Poder Real vinha confirmar solenemente.
O grito popular de Aqui d’El-Rei!, como apêlo de urgência ao Soberano contra uma opressão ou ameaça violenta, testemunha claramente a confiança na sua justiça que era e deve ser a primeira função real.
E bem nos parece hoje, em que ele deixou de ser ouvido, que não anda mais bem servida a ordem, nem são em menor número as agressões e os crimes impunes. (1)
Mais do que nunca, sentimos o impulso de continuar gritando – Aqui d’El-Rei!, para que o sceptro real depressa venha a ser direita vara de justiça."

Hipólito Raposo in Dois Nacionalismos, 1929

(1)     Numa inquirição em que interveio Afonso Lucas, uma das testemunhas que em certa desordem ouvira gritos de Aqui d’El-Rei!, declarava ter ouvido bradar: Às armas do nosso govêrno!, em perfeita contradição com os restantes depoimentos. O discreto cidadão, adaptava uma certeza real a um dever de cortesia política para com as Instituições Vigentes, dando assim ao tribunal um sábio exemplo de compostura e disciplina…
Mas em todo o caso, não deixa de ficar patente a fraqueza deste novo grito de socôrro republicano a uma entidade incerta e mudável, em vez do apêlo pessoal, directo, á intervenção do Soberano, que há vinte anos ainda eu ouvia nos ralhos e desordens da minha vila natal, sob a forma arcaica de  - Aca del Rey!, como nos tempos de D. Pedro, o Justiceiro.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Soneto - Afonso Lopes Vieira

«E saudades até... doutras saudades.» A. L. V.

Sobre o mar infinito debruçando
Seu cismático olhar de nostalgia,
Vê Portugal, ao fim de cada dia,
As estrelas no céu irem tombando.

Vão no Ocidente as luzes apagando
A flama bela que resplandecia:
E o olhar português, que o céu enchia,
Encheu-se de saudades, contemplando.

Dos meus olhos as fundas claridades,
Oh meu amor, vão para ti mais belas
Desta alma ocidental, flor de saudades.

Mas saudades de ti? De mim? De quem?
As saudades da altura das estrelas,
As saudades sem fim do mais além.

Afonso Lopes Vieira in Ilhas de Bruma

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Rei

« Nos liberi sumus, rex noster liber est et manus nostrae nos libraverunt »


Êles o afirmam com aspeito grave,
- êles o afirmam com profunda voz.
Um côro imenso revoou p'la nave:
- « O Rei é livre e livres somos nós! »

- « O Rei é livre! » E o grito de Almacave
não foi sòmente o grito dos Avós.
Por mais que o tempo em nossas veias cave,
nunca desata êsses antigos nós!

« O Rei é livre! » E com o seu elmo erguido,
é Portugal tornado corpo e alma
na sucessão do tempo indefinido!

O sangue o diz! E o sangue não se engana!
Que ver o Rei na sua fôrça calma,
é ver a Pátria com figura humana!


António Sardinha, in Pequena Casa Lusitana

domingo, 7 de abril de 2013

Municipalismo e Partidocracia

     "Temos como as duas mais vincadas expressões do Municipalismo uma conveniente autonomia administrativa e, para serviço desta, a selecção dos melhores entre os “homens bons” da comunidade municipal. Os municípios funcionariam assim, dentro dos moldes medievos, como autênticas e ordeiras repúblicas locais.
      Com o democratismo exaltou-se o “poder local” como se ele fosse uma realização da liberdade política e também uma satisfação ao anseio municipalista.
    A eleição dos presidentes das Câmaras, que substituiu a nomeação governativa constante do regime salazarista, parecia certificar o princípio de um louvável intuito. Engano, porém! Se anteriormente o ministro respectivo, por intermédio dos governadores civis, ainda procurava, dentro do que lhe era possível, escolher um dos munícipes mais categorizados para as presidências das Câmaras, no democratismo as candidaturas aos lugares procedem-se entre os caciques eleitorais mais influentes dos partidos políticos. O critério eleitoralista sobrepõe-se ao critério da competência. Os “homens bons” independentes dos partidos, não contam para o caso. (Ler nota em baixo)
  …É evidente que desta forma, transformando os concelhos em “coutadas dos dirigentes políticos”, se nega fundamentalmente a espírito municipalista.
   Também a falada descentralização administrativa é torpemente mistificada porquanto a administração fica inteiramente nas mãos da oligarquia partidária.
    E o propalado Poder Local? Onde está ele? Pois a Partidocracia não constitui a mais fechada centralização do Governo?
   Na verdade os directórios dos dois ou três partidos maiores ramificam as suas possibilidades de decisão desde a presidência da República e dos postos superiores dos ministérios e do Parlamento às ínfimas juntas de freguesia cuja autonomia fica apenas nominal.
   Em partidocracia o que claramente se observa é que os órgãos distritais e concelhios vão servindo, e admiravelmente, para colocar os afilhados dos partidos predominantes. O resultado evidente e arruinado é o dispendioso aumento de um funcionalismo supérfluo para satisfação da avidez das clientelas partidárias.
  António Sardinha, estudando o problema do município, em face da acabada experiência da 1ª República concluía perante a realidade imperante dos factos: “Verificou-se mais uma vez que os regimes de composição ou carácter electivo não pensam nunca em descentralizar, pois que descentralizar representaria perder as chaves das eleições sem as quais se não ganha o poder nem se continua no desfruto das suas benesses”.
 …Vem-nos à lembrança o dito de um antigo e ilustre autor espanhol que de uma forma significativa e algo jocosa apontava a Partidocracia como uma “oligarquia caciquil". E tenhamos nós presente que é em nome da liberdade democrática que a partidocracia impinge ao povo o mais bem conseguido regime oligárquico e despótico!..."

Mário Saraiva in Sob o Nevoeiro (Ideias e Figuras) – Edições Cultura Monárquica - 1987

Nota:
A RPR tem, apenas neste ponto, opinião discordante da do ilustre Mário Saraiva. É que no regime salazarista a nomeação e escolha dos Presidentes de Câmara não era isenta. Era feita por e dentro de uma oligarquia. A dos que apoiavam ou não discordavam do regime. Se é certo que nalguns casos foram boas as escolhas, e agora também o poderão ser, o que está em causa é que nas duas situações elas não são verdadeiramente independentes e para o bem das populações. São limitadas num caso pelo caciquismo do poder central e no outro pelo caciquismo partidário.