Com o democratismo exaltou-se o “poder local” como se ele fosse uma realização da liberdade política e também uma satisfação ao anseio municipalista.
A
eleição dos presidentes das Câmaras, que substituiu a nomeação governativa
constante do regime salazarista, parecia certificar o princípio de um louvável
intuito. Engano, porém! Se anteriormente o ministro respectivo, por intermédio
dos governadores civis, ainda procurava, dentro do que lhe era possível,
escolher um dos munícipes mais categorizados para as presidências das Câmaras,
no democratismo as candidaturas aos lugares procedem-se entre os caciques
eleitorais mais influentes dos partidos políticos. O critério eleitoralista
sobrepõe-se ao critério da competência. Os “homens bons” independentes dos
partidos, não contam para o caso. (Ler nota em baixo)
…É evidente
que desta forma, transformando os concelhos em “coutadas dos dirigentes
políticos”, se nega fundamentalmente a espírito municipalista.
Também
a falada descentralização administrativa é torpemente mistificada porquanto a
administração fica inteiramente nas mãos da oligarquia partidária.
E
o propalado Poder Local? Onde está ele? Pois a Partidocracia não constitui a
mais fechada centralização do Governo?
Na verdade os
directórios dos dois ou três partidos maiores ramificam as suas possibilidades
de decisão desde a presidência da República e dos postos superiores dos
ministérios e do Parlamento às ínfimas juntas de freguesia cuja autonomia fica
apenas nominal.
Em
partidocracia o que claramente se observa é que os órgãos distritais e
concelhios vão servindo, e admiravelmente, para colocar os afilhados dos
partidos predominantes. O resultado evidente e arruinado é o dispendioso
aumento de um funcionalismo supérfluo para satisfação da avidez das clientelas
partidárias.
António
Sardinha, estudando o problema do município, em face da acabada experiência da
1ª República concluía perante a realidade imperante dos factos: “Verificou-se
mais uma vez que os regimes de composição ou carácter electivo não pensam nunca
em descentralizar, pois que descentralizar representaria perder as chaves das
eleições sem as quais se não ganha o poder nem se continua no desfruto das suas
benesses”.
…Vem-nos à lembrança o dito de um
antigo e ilustre autor espanhol que de uma forma significativa e algo jocosa
apontava a Partidocracia como uma “oligarquia caciquil". E tenhamos nós presente
que é em nome da liberdade democrática que a partidocracia impinge ao povo o
mais bem conseguido regime oligárquico e despótico!..."
Nota:
A RPR tem, apenas neste ponto, opinião discordante da do ilustre Mário Saraiva. É que no regime salazarista a nomeação e escolha dos Presidentes de Câmara não era isenta. Era feita por e dentro de uma oligarquia. A dos que apoiavam ou não discordavam do regime. Se é certo que nalguns casos foram boas as escolhas, e agora também o poderão ser, o que está em causa é que nas duas situações elas não são verdadeiramente independentes e para o bem das populações. São limitadas num caso pelo caciquismo do poder central e no outro pelo caciquismo partidário.
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